O Brasil é um grande produtor e exportador mundial de própolis de Apis mellifera em razão, principalmente, da sua grande área territorial e diversidade vegetal. A própolis é uma resina coletada por abelhas da espécie A. mellifera de diversas partes das plantas como brotos, botões florais e exudados resinosos. O consumo mundial de própolis é estimado em cerca de 800 toneladas/ano e há um consenso de que o Brasil seja o segundo maior produtor mundial, com cerca de 150-170 toneladas anuais, perdendo apenas para a China. Além disso, a própolis brasileira responde por 80% da demanda do mercado japonês. A produção de própolis orgânica certificada em áreas de matas de preservação permanente, no sul do Paraná e no norte de Santa Catarina, tem despertado grande interesse, principalmente pelo mercado europeu, pois o produto estaria isento de metais pesados e contaminantes microbianos, bem como pela peculiaridade de seu sabor suave. Porém, não havia, até recentemente, nenhum estudo atestando que essa própolis é capaz de atender às expectativas dos consumidores que buscam o produto por suas possíveis propriedades antioxidantes, antimicrobianas, anti-inflamatórias, anticariogênicas e até mesmo anticancerígenas.
Por isso, um estudo realizado pelo engenheiro agrônomo Severino Matias de Alencar, professor associado da Escola Superior de Agricultura (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), pela doutoranda Ana Paula Tiveron e a pós-doutoranda Luciana Ferracini, pelo professor adjunto do Departamento de Farmácia Universidade Federal de Alfena (Unifal), Masaharu Ikegaki, em colaboração com o professor titular de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), Pedro Luiz Rosalen, e pelo pós-doutorando do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Bruno Bueno-Silva, confirmou as propriedades antioxidantes e antimicrobianas da própolis orgânica certificada produzida na Região Sul do Brasil.
O grupo já vem trabalhando com a própolis brasileira desde 2002, e possui várias publicações relevantes, prêmios em Sociedades Científicas nacionais e internacionais, além de patentes. “No entanto, nunca havíamos estudado a própolis orgânica certificada e oriunda de regiões de mata atlântica e reflorestamento. Assim, em contato com um empresário que beneficia própolis orgânica em União da Vitória, Paraná, foi possível a organização de um estudo abrangente que envolveu vários produtores de própolis orgânica do norte de Santa Catarina e no sul do Paraná, o que totalizou em mais de 70 amostras”, relata Severino de Alencar.
De forma geral, este estudo propôs caracterizar detalhadamente a composição química da própolis brasileira produzida sob condições orgânicas, bem como avaliar o seu potencial biológico contra espécies reativas de oxigênio e atividade antimicrobiana, no sentido de contribuir para aplicações futuras, tanto na indústria farmacêutica, quanto na indústria alimentícia, além de contribuir e estimular a preservação das matas nativas, fonte da própolis orgânica, haja vista a inexistência de estudo na literatura científica e a importância econômica que a mesma vem conquistando atualmente no cenário mundial. “Isto também é muito importante, pois uma verdadeira ‘febre’ de patentes com as própolis brasileiras vem sendo cada vez mais observada, entretanto, a grande maioria das patentes internacionais depositadas é feita por outros países”, ressalta o engenheiro agrônomo Severino Matias de Alencar.
Das 78 amostras coletadas nas regiões do sul do Paraná e do norte de Santa Catarina, de diferentes apiários, foi possível o agrupamento de acordo com perfil químico em sete variantes de própolis orgânica (OP1 – OP7). Todas as variantes de própolis apresentaram alto poder sequestrante contra as espécies reativas de oxigênio ROO?, O2?- e HOCl, as quais quando presentes em excesso no corpo humano apresentam efeitos prejudiciais e causam diversos danos à célula, como câncer, doenças neurodegenerativas, anemia, isquemia, além da oxidação da LDL. A própolis orgânica também apresentou forte atividade antibacteriana contra as bactérias gram positivas como: Streptococcus mutans (principal microrganismo iniciador do biofilme oral), Streptococcus oralis, Streptococcus sobrinus e Staphylococcus aureus, bem como a inibição da formação de biofilmes contra S. mutans e bactérias gram negativas, como a Pseudomonas aeruginosa.
Atualmente, a própolis tem ganhando cada vez mais popularidade como suplemento alimentar saudável e tem sido amplamente utilizada em alimentos e bebidas, atuando, assim, como alimento funcional para melhorar a saúde e prevenir doenças cardíacas, inflamações, diabetes e até mesmo o câncer. “Porém, esta funcionalidade depende de cada tipo de própolis e, no Brasil, pelo menos 13 tipos distintos de própolis já foram descritos na literatura”, relata Severino.
O professor titular de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica da FOP-Unicamp, Pedro Rosalen, destaca que para a Odontologia a própolis poderá ser utilizada para inibir ou controlar bactérias formadoras do biofilme oral patogênico, especialmente aquelas relacionadas à cárie dental e doenças periodontais. “Para esta finalidade, análises adicionais precisam ser concluídas, pois poderiam entrar na composição ativa de fórmulas farmacêuticas de produtos de higiene oral, como dentifrícios e enxaguatórios bucais, ou mesmo outros produtos, como vernizes, adesivos, ou sistemas de liberação controlada, tanto em nível de biofilme infra quanto supra gengival.”
Os passos previstos para o estudo serão avaliar a possível atividade anticárie (em modelos clínicos), anti-inflamatória e antinociceptiva (analgésica) e da citotoxicidade e da ação antiproliferativa (anticancerígena) da própolis orgânica, bem como a investigação das eventuais diferenças químicas e biológicas entre as soluções aquosa e alcoólica de própolis orgânica.
É importante destacar que esta é a primeira vez na literatura em que a própolis orgânica certificada é relatada, a qual demonstra um grande potencial de aplicação na indústria alimentícia e farmacêutica, bem como para a preparação de alimentos funcionais.
fonte:apcd
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